A Louca e a Espada

Com uma espada que descansa confortavelmente sobre seu pescoço endurecido, estremecido, com uma vida que lhe era própria de um pescoço que ja tivera passado por varias tristezas e decepções, angustias e prazeres, solidão e excessos; ela vivia. Ela esperava o momento em que a verdade dura da realidade que ela tinha guardado em uma caixinha de bombom com formato de coração, lhe tirasse a cabeça. A espada que iria lhe cortar aquela cabeça inventada por ela, não sua cabeça do dia a dia, mas uma cabeça de sonhos impossíveis, de viagens que nunca faria. Uma vida de um livro de conto de fadas. Ah como ela se impressionava com os livros!

Tinha uma mania infantil de se transportar para aqueles mundos e se tornar parte deles. Ela era a personagem, a mocinha da estória, naquele momento breve de leitura. Vestia-se das mesmas roupas. Comia as mesmas comidas. Comprava outros livros para entender melhor como aquele livro funcionava. Era quase que como uma obsessão. Um querer acima do que lhe era permitido. Mas como a imaginação sincera de uma criança, seu querer naquele momento não lhe impunha limites. Seu querer era segredo. Seu querer, como um desejo de criança pelo seu brinquedo favorito no Natal, era so dela, e sob esse querer ninguém mais tinha poder. So ela o moldaria como bem o entendesse.

Um querer que nao necessitava da aprovação ou permissão de outros, como tudo mais na sua vida era requerido. Inventava-se e reinventava-se como se cada pagina lida fosse um dia de sua vida. Não queria ser ela mesma, sempre queria ser palavra na pagina em branco.

Mas e a espada? Ela ja sentia o gume gelado que encostava em sua pele suada e ansiosa, quase que desejando um fim rápido. Por pouco não pusera sua própria mão sobre a espada e forcara o instrumento contra seu pescoço. Imaginou as varias camadas que iriam se abrir uma por uma. Cortinas da fantasia de uma cabeça imaginaria, que mais uma vez se desintegraria. Aquela espada conhecida e familiar, que lhe servira como proteção contra ela mesmo. Era quase que bem vinda a sua chegada. Antecipava esse momento com tristeza e alivio. A cabeça doida estava prestes a desparecer. Sentia um frio na barriga. Um medo de tudo. Uma preocupação que ja fizera morada em seu ser.

Por que então criar essas cabeças loucas, se sabia que elas seriam decepadas a determinado momento? Não sabia viver como uma “normal”, regular, sociável e domesticada dama. Precisava de um sei la o que de loucura, de um medo de arriscar tudo para não cair no fundo sem poco da depressão. A loucura a mantinha sana. A loucura lhe dava um propósito, por isso, quando uma era decepada, ela ia la e construía outra. E de loucura em loucura, ela vivendo seus dias, com disciplina exemplar que so os loucos possuem.

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